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Dos sobreiros à garrafa de vinho, a história das importantes coadjuvantes rolhas

Tempo de Leitura: 4 minutos

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por Humberto Lisboa, especial para o DiárioZonaNorte

Cortiça, não deixe a terra sem ela” – (Donald Thomas – Astronauta da NASA)

Toda a vez que nos deparamos com uma garrafa de vinho, que está sendo conservado por uma rolha, devemos nos atentar que a cortiça utilizada a proteger nossa tão preciosa bebida também tem aplicações muito maiores e altamente tecnológicas. Uma delas que é tão nobre quanto garantir a qualidade das nossas bebidas é estar presente em praticamente como isolante térmico em todas as espaçonaves da NASA, desde a missão APOLLO XI até hoje.

Outras aplicações e soluções de engenharia são marcas registradas deste tecido 100% vegetal formado em uma grossa casca de árvore, extraída do sobreiro “Quercus Suber L.”, que possui uma construção celular gigantesca (uma simples rolha possui cerca de 800 milhões de células), tem propriedades de proteção microbiológica e aprisiona em si gases muito semelhantes ao ar que respiramos, o que facilita no seu trabalho de competente tutora dos nossos queridos vinhos.

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Quando surgiu

A invenção da rolha para conservar vinhos foi por muito tempo atribuída ao monge Don Pierre Pérignon. Mas ela é bem mais antiga que isso. Descobertas arqueológicas em 2015 na região de Ephesus na Turquia, mostram ruínas de um boulevard que entre outros prédios comerciais, continha um bar de vinhos.

Interessantemente, a mesma escavação trouxe a luz do mundo moderno uma ânfora para vinho, tampada com uma rolha datada do século I a.C. Além disso há mais de 5.000 anos, os egípcios já utilizavam a cortiça como bóia em suas redes de pesca e como sistema de “tampa” e várias outras aplicações.

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De onde vem

Voltando aos nossos dias de novo normal, posso dizer que as áreas de “montado de sobro” em Portugal e na Espanha — que somados representam a mais de 50% da plantação destas árvores em todo o mundo –, são áreas de cultivo e coleta consciente da cortiça. Muito se fala sobre a imprescindível falta da rolha natural mas isso se dá muito mais pelo aumento vertiginoso na produção e no consumo de vinhos do que na falta de cuidado e preservação das florestas de “montado” em Portugal.

O sobreiro vive ao redor de 200 anos. A sua primeira tirada de casca acontece com 25 anos e depois se repete a cada 9 anos. Tanto a primeira retirada (virgem) como a segunda retirada de casca (secundária) apresentam fissuras muito intensas e irregulares que impedem sua utilização para a produção de rolhas e discos.

Estas duas extrações dos primeiros 34 anos de idade do sobreiro são picadas e são destinadas a utilização na indústria como vedante, isolante e solado de calçados, entre outros.

Já na terceira extração, aos 43 anos de idade do sobreiro já se pode utilizar a casca na produção de rolhas, em seus três tipos:

  • As rolhas maciças (mais caras)
  • As rolhas de cortiça picada aglomerada extrudada (mais baratas)
  • As rolhas para espumantes (variam de custo em função da quantidade de discos na sua base, seu tamanho e sua qualidade).
O respeito ao meio ambiente

Contrariando opiniões alarmantes sobre o fim das rolhas, posso afirmar que as corticeiras são empresas que zelam pelo meio ambiente e pela conservação tanto das áreas de plantio, quanto na manutenção e treinamento dos profissionais envolvidos nesta cadeia de economia circular, que é perene: Sustentabilidade.

São no mínimo 56 anos de ciclo que envolvem famílias e comunidades inteiras por gerações. Apenas a Corticeira Amorim em Portugal, que pude conhecer e visitar no começo de 2003, época que iniciou vários projetos sustentáveis visando proteger a árvore símbolo de Portugal, produz hoje mais de 5 bilhões e meio de rolhas ao ano e projeta aumento nestes números. Não proteger, cuidar e preservar seria minar seu próprio negócio.

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Outras versões

Mas nem tudo são flores para as corticeiras. Em função de modernizar processos e numa corrida de diminuição de custos, a indústria do vinho desenvolveu rolhas de material sintético que em suas versões mais tecnológicas imitam a troca de oxigênio da cortiça, rolhas de vidro que selam vinhos caríssimos e o tão incompreendido sistema de screwcap (tampa de rolha).

Ele (screwcap) foi criado para que os consumidores de vinho que não querem e/ou não podem aguardar que seus vinhos evoluam em garrafa, já recebam vinhos prontos para o consumo em até 6 meses, o que torna desnecessário o uso das rolhas. Apenas se abre a tampa e já se delicia um vinho que maturou e evoluiu na vinícola. Também se aplica àqueles vinhos que se destinam a serem bebidos jovens; outro fato que torna desnecessária a utilização de rolhas.

“Tampando” o tema de hoje: Assim como não se julga um livro pela capa, não julgue seus vinhos pelo sistema de fechamento da garrafa. Abra sua mente e desfrute os prazeres do vinho, sem preconceito mesmo que não precise usar o saca-rolhas.

O autor com a matériaprima das rolhas

(*) Humberto Lisboa: Sommelier de vinhos, WSET, Sommelier de Cervejas DOEMENS, Especialista em harmonizações enogastronômicas, docente coordenador ( SENAC/SP) dos cursos de sommelier de vinhos, harmonização e administração de bares e restaurantes. Avaliador FlavorActiV, Auditor FSSC 22000 SGS ACADEMY, Especialista em azeites (Portugal), especialista em charutos (Bahia,Cuba, Republica Dominicana), Administrador de Empresas e consultor de planejamento estratégico para bares e restaurantes e proprietário da Osteria da Onça


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