Home Cultura O “Choro” é finalmente reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

O “Choro” é finalmente reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

Foto: Marcelo Camargo
Tempo de Leitura: 5 minutos

 

por Prof. José de Almeida Amaral Júnior  (*)

O Choro é considerado o primeiro gênero musical instrumental urbano do país. Nasceu cerca de 50 anos após a proclamação do Estado nacional. Designava ao mesmo tempo, nessa gênese, um encontro festivo e/ou uma reunião de instrumentistas populares que procuravam tocar, de forma “abrasileirada”, as sonoridades vindas da Europa e consumidas pela aristocracia como a valsa, a mazurca, o schottisch e a polca, além da caribenha habanera.

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Pixinguinha

Atentos, aplicavam sobre essas expressões externas que desfilavam pelos grandes salões senhoriais o “tempero” extraído da cultura local através, por exemplo, do lirismo da modinha e do ritmo sedutor do lundu, criando uma novidade.

Ao longo dos anos o Choro foi através de suas rodas se sedimentando, ganhando forma e vigor pela arte de seus praticantes, sendo que, nessa construção, nomes tornaram-se referências, caso de H. A. Mesquita, Chiquinha Gonzaga, Callado, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, Octávio Dutra, João Pernambuco, Zequinha de Abreu, Bonfiglio de Oliveira, Canhoto, Garoto, Luiz Americano, Radamés Gnattali, Severino Araújo, Dino, Jacob, Waldir Azevedo, Zé da Velha, Henrique Annes, Abel Ferreira, Altamiro Carrilho, Izaías, entre outros.

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Pixinguinha e o Grupo Oito Batutas (1922) – Reprodução
O choro com Villa-Lobos

O compositor e maestro modernista Heitor Villa-Lobos tem no conjunto de sua obra um especial apreço pelo gênero. Muito próximo à vida boêmia carioca, conheceu vários instrumentistas atuando em bares, cafés, teatros e praças públicas.

Teria sido pela admiração a esse jeito de tocar e desejo de exercitar com os praticantes que iniciou seus estudos de violão na juventude.

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Heitor Villa-Lobos

Não bastando, entre 1920 e 1928, escreveu um de seus mais importantes trabalhos: os ´´14 Choros de Câmera”. Peças reconhecidas internacionalmente por serem complexas, arrojadas e plenamente envolvidas com o nacionalismo do autor, que nelas incutiu referências dos povos indígenas e dos africanos transplantados à força. Daí uma definição, vinda de seu Choros nº5 (1925): é a “Alma Brasileira”.

O lado mais popular

Vale dizer que, embora seja eminentemente instrumental, o Choro recebe ao longo do tempo algumas contribuições em letras para suas melodias, que assim acabam por transformá-lo em canções.

Então, intérpretes como Carmen Miranda, Aracy de Almeida, Baby Consuelo e, em especial, Ademilde Fonseca, emprestaram suas vozes para cantar o chorinho com maestria – inclusive na forma de Samba-Choro, gêneros parentes –, acumulando muitas pérolas para o rol de gravações sensacionais da tradicional MPB.

Izaías junto à Placa da Memória

O Choro, portanto, figura como um “tronco” para a frondosa árvore da música popular brasileira. E tem reconhecimento mundial, com fãs nos 4 cantos do planeta.

Mas, somente agora, com cerca de 150 anos de existência, ele foi oficializado como Patrimônio Cultural Imaterial pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. É, inclusive, o 52º registro ocorrido por essa autarquia do Ministério da Cultura.

O passo a passo

Em 2012, com o envio de grande abaixo-assinado da “comunidade” do Choro através de alguns de seus clubes, caso de Brasília, Santos, Rio de Janeiro e inúmeros entusiastas, deu-se o início das avaliações.

Em 2015, após a emissão de nota técnica sobre os documentos iniciais recebidos, o andamento de registro pelo IPHAN teve início efetivo, com processo para estudos serem aprofundados.

Em 2019 ocorreu chamada para o edital da Instrução Técnica do Processo de Registro, quando a Associação Cultural dos Amigos do Museu do Folclore Edison Carneiro foi aprovada para tocar a ação a partir de março/ 2020. Aqui, no entanto, houve um sério problema por conta da trágica pandemia de Covid-19. Foi então necessário repensar os caminhos para manter rigor e objetivos metodológicos.

Ao invés das pesquisas de campo presenciais e regionais, partiu-se para encontros via internet. Depoimentos e seminários foram organizados. Dada a “base social” do Choro já existente, clubes e entidades reconhecidas facilitaram a expansão da captação de material, indicando experiências de musicistas, acervos, formas de ensino, memórias, cenas e movimentos coletivos de norte a sul.

Em mapeamento junto a plataformas on-line de bibliotecas públicas e privadas constatou-se 221 documentos: livros, artigos, dissertações e teses. Observou-se a existência de 165 acervos, 86 ações de ensino, 48 associações ou clubes de choro e 131 rodas em todas as regiões.

Como atestado pelo “Dossiê do Choro” foram muitos meses de escuta das inúmeras vozes que o mantém vivo e pulsante, com suas características e tonalidades regionais próprias enriquecendo-o ainda mais.

Em 29 de fevereiro de 2024 ele foi, enfim, oficial e unanimemente declarado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

O ´´Choro´´na alma

Fiquei feliz por poder participar do processo, falando como pesquisador paulista, junto ao IPHAN. Minha contribuição visando a memória dos chorões locais foi credenciada pela publicação de 2 livros, “Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo” (2013) e “Conjunto Atlântico – Uma História de Amor ao Choro” (2017); programa de rádio “Choro & Cia – Música Instrumental do Brasil”; documentários em parceria com o Centro Cultural São Paulo; “Placa da Memória Paulistana” (SMC/DPH) na casa do chorão Antônio D’Auria; por ser Conselheiro Honorário do Clube do Choro de Santos; pela iniciativa na Câmara Municipal para o Dia do Choro Paulistano (10 de Maio); palestras e cursos, entre outros trabalhos.

 

 

 

 

 

 

 

Que o Choro, simbolizando a cultura brasileira em geral, seja então agora mais apoiado, valorizado pelos responsáveis, tendo investimento em estudo, preservação, manutenção e difusão. Um país digno jamais esquece sua história e cultura.


  • Íntegra do ´´Dossiê do Choro´´( IPHAN/Ministério da Cultura – fevereiro de 2023), com 204 páginas — clique aqui
  • Assista o depoimento do autor Prof. Amaral no post da Rádio Nacional/EBC-Agência Brasil clique aqui

(*) José de Almeida Amaral Júnior  é prof. universitário em Ciências Sociais aposentado, bacharel em Ciências Econômicas, pós graduado em Sociologia e em História da Arte, mestre em Políticas em Educação. Autor de obras que falam de São Paulo e música brasileira com base na memória dos entrevistados. Três vezes premiado nos concursos da SMC/DPH com as Placas da Memória Paulistana. É produtor, apresentador e palestrante em eventos referentes a MPB. Realizou o Programa Choro e Cia – Música Instrumental do Brasil (2017-19) em Web Rádio. Conselheiro Honorário do Clube do Choro de Santos. Estudou música na ULM (hoje EMESP) e atualmente é membro do Coral do Museu de Arte Sacra/ SP, clarinetista da Orquestra Sinfônica Carlos Gomes/ SP e do Centro de Prática Musical do SESC. E mais: Prof. Amaral é um cidadão e apaixonado da Vila Guilherme (Zona Norte), onde reside.


 

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