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“O Corcunda de Notre Dame” surge nos palcos de uma escola, na Zona Norte

Tempo de Leitura: 10 minutos
da Redação DiárioZonaNorte

Uma plateia atenta e comportada lota os 150 lugares, em cadeiras marfinite brancas, em um salão improvisado da Escola Estadual Professor Antonio José Leite (em 1962 chamava-se Grupo Escolar do Jardim Peri e, em 1964,  passou  ao nome atual)  na Vila Nova Cachoerinha/Parada Pinto, Zona Norte da capital.

Pais, alunos e convictions às expectativas do que seria mostrado no palco com o Projeto Jovem em Cena, na sexta e última apresentação, em belo domingo ensolarado à tarde (24/11/2019), com o espetáculo “Corcunda de Notre Dame” ( nome original de “Notre Dame de Paris”, de 1831).

Nada mais e nada menos que o clássico do escritor francês Victor Hugo (Victor-Marie Hugo – 1802-1885 = 83 anos – autor também de “Os Miseráveis”) apresentando a trama em torno do personagem “Quasimodo”, o sineiro deformado de Notre Dame e sua luta para ganhar aceitação na sociedade.

À espera do espetáculo

Uma escola estadual com seus problemas e sua simplicidade na representação na área externa do enorme prédio. Mas transforma-se como se fosse um verdadeiro teatro, tudo é simulado na recepção dos convidados e espectadores, com ingressos gratuitos em filipetas impressas e numeradas com a marca e o nome da peça.

Ao passar pela portaria, o convidado ingressava em uma pequena e básica pesquisa por alunos  (já leu ou tomou conhecimento do Corcunda de Notre Dame? Qual a idade? Quantos anos?) e recebia um belo e colorido programa impresso e dobrável em seis partes,  com mensagens e o resumo da peça, elenco, ficha técnica e agradecimentos. E outros alunos (todos vestidos com camiseta preta e a identificação impressa em branco “Projeto Jovem em Cena”) ajudavam na localização do lugar numerado na plateia.

E uma mensagem de Victor Hugo surgia na sexta parte impressa do programa, quase no final, sobressaindo-se ao que estava no ar e na representação:  “Há pensamentos que são orações. Há momentos em que, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos”.

O autor, a peça e Notre Dame

Victor Hugo foi o maior poeta romântico da França e um dos seus maiores prosadores. Produziu várias obras-primas, entre elas o romance medieval O Corcunda de Notre Dame (1831). A história é centrada na tragédia do corcunda Quasímodo e da cigana Esmeralda.

É no interior da grande catedral gótica e nos labirintos das construções de Paris que se desenrola a terrível história de paixões impossíveis de seus personagens. Victor Hugo reuniu magistralmente em seu famoso romance religiosos e vagabundos, ciganos e nobres, padres e leigos — heróis e vilões.

Com poderosa imaginação criadora, Hugo desperta em seu leitor as mais variadas emoções: do profano ao sagrado, do grotesco ao sublime. A história teve várias versões cinematográficas. << Clique aqui e leia a sinopse da peça e perfis dos personagens na página do Wikipédia >>  Já  a  Catedral de Notre-Dame de Paris (Catedral de Nossa Senhora de Paris) é uma das mais antigas catedrais francesas em estilo gótico.

Iniciada sua construção em 1163 e dedicada à mãe de Jesus, Virgem Maria, ao lado do Rio Sena. Recentemente, em abril de 2019, Notre Dame foi atingida por um violento incêndio, que destruiu parte de sua construção. Um movimento de solidariedade e ajuda financeira de vários países formou-se para sua reconstrução.

A apresentação

Com uma organização perfeita, havia pouco tempo para às 14 horas, início do espetáculo. Na escuridão do palco, surge a universitária de psicologia Juliana Biella (filha da diretora geral do espetáculo, Denise Biella) e que se abre um foco de luz em cima dela, aparecendo envolta em uma longa saia preta.

E, como diretora de movimento, Juliana faz abertura do espetáculo, relatando resumidamente a que veio “há 11 anos o Projeto Jovem em Cena trouxe como objetivo de trabalhar no aluno a autoestima, disciplina e aquisição cultural por meio do teatro”. E explicou “que os jovens aprendem autonomia e responsabilidade, pois além de interpretar, cantar e dançar, também operam a iluminação das peças, aprendem a fazer cenografia e auxiliam na elaboração da cenografia”.

Uma oração de amor a todos

Na continuidade, a diretora Juliana Biella lembrou, de improviso, que desde o início da preparação do espetáculo, em junho,  o grupo ficou imerso na religião e na fé. E que havia a necessidade de entender como as pessoas pensavam e como a sociedade se organizava. “E como nosso espetáculo se passa grande parte dentro da Catedral de Notre Dame, ou nos seus arredores, foi preciso mergulhar no universo da religião durante um semestre inteiro”.

E ela explicou a diferença do amor com “a” minúsculo e o com “A” maiúsculo, com o “além de tudo” e “apesar de tudo”. E, desta forma, o grupo decidiu abrir o espetáculo com uma oração, mas que não fosse de uma religião e trouxesse o “A” maiúsculo do amor “além de qualquer diferença religiosa”.

E a oração escolhida que se transforma em mensagens de amor em diferentes pensamentos e ações é de autoria do pastor Henrique Vieira no programa “Amor e Sexo”. E Juliana em bom e alto som apresentou a oração — leia mais abaixo a íntegra no final deste texto.

Um grande espetáculo

E, ainda na escuridão, entoa-se um cântico gregoriano, que entra pelas caixas de som do espetáculo. Perfeito. E abre-se a peça com atores correndo na praça e o artista cigano Clopin explicando às crianças sobre os sinos de Notre Dame, que não tocam sozinho.

E surge a história “de um homem e que também é um monstro!”, que toca os sinos e refugia-se na cúpula da igreja. As canções surgem no palco em versões inspiradas do filme (desenho) produzido por Walt Disney, em 1996.

Junto à uma explosão de luzes surgiram de vários refletores e os personagens da peça saem da cochia e aparecem frente ao público. Uma movimentação intensa com ótima cenografia, uma grande dinâmica de palco com posicionamentos, troca de cenários e performance de todos os atores e atrizes. Em algumas cenas, usando o espaço nos corredores e no meio da plateia.

O som perfeito com trilhas bem encaixadas e as falas dos personagens superaudíveis, com o uso de minimicrofones sem fio presos nas testas dos personagens. A grande diferença foi a materialização de Nossa Senhora, que foi adaptada no roteiro original — já que a Catedral de Notre-Dame  é a Catedral de Nossa Senhora de Paris — dando a sequência para o final da peça.

Todos os figurinos impecáveis, de qualidade, nada improvisado. Não houve como apontar um defeito!  Podería-se classificar tudo como “profissional” com os esforços de cada jovem assumindo de corpo e alma cada personagem. Tudo perfeito, depois de 01 hora e 55 minutos, a glória nos agradecimentos de um público aplaudindo de pé. Bravo! Bravissímo!

Missão cumprida

Ao final do espetáculo, toda feliz no fundo da sala de espetáculos, a diretora da peça, Profª Denise Biella, recebia abraços e beijos de alunos, atores, atrizes, pais e mães. 

Chegou até autografar às costas da camiseta do “Projeto Jovem em Cena”. Não se continha de felicidades, até um momento de muita emoção e algumas lágrimas. “Mais um ano, mais uma peça, agora vamos nos planejar para uma novo espetáculo, mas sempre com o maior amor e carinho para levar a mensagem ao nosso público”, comenta a diretora.

E acrescentou que para a escola e os alunos é muito importante e significativo o trabalho nos espetáculos, com todos os cuidados, além da qualidade com o apoio da empresa G.Vallone Têxtil com doações dos tecidos para os figurinos. . Ela voltou a repetir que a escola não recebe nenhum apoio e reconhecimento do governo, nem mesmo “na reforma do improvisado espaço do teatro, que é usado para guarda de material”. 

E desabafa: “Vamos continuar a montar as nossas peças aqui mesmo na escola, não queremos ir fora daqui”. E com muita segurança, a professora Denise Biella pensa em todos os detalhes.  E um destes detalhes  importante e de segurança, cada personagem da peça teve o ensaio de três atores ou atrizes. “Decidimos como uma substituição de última hora, por algum problema, sem ter que aprontar uma troca na correria, correndo riscos de descontinuidade”, explica a diretora  Denise Biella.


O que é o Projeto Jovem em Cena

O projeto voluntário existe na Escola Estadual Professor Antonio José Leite há 11 anos.  Apresenta-se em peças teatrais, com a criação e coordenação da Professora Denise Biella ( Lingua Portuguesa ). Teve início em 2008 com os alunos do Ensino de Jovens e Adultos-EJA.

A partir de 2009, o grupo passou a ser integrado por alunos do Ensino Médio regular. Já a partir de 2012, integrou-se o grupo do Fundamental II (6º ao 0º anos). E, no momento, mais os alunos do Fundamental II, Ensino Médio e ex-alunos – que atuam no palco ou auxiliam da montagem técnica e até nos registros fotográficos.

Sem subsídios, o Projeto Jovem em Cena se mantém de doações para a confecção de figurinos e da cenografia. Essas doações são feitas por alunos, amigos e outros professores. Conta também com a ajuda de pessoas e algumas empresas do local, que abraçaram a causa. O objetivo principal do Projeto Jovem em Cena é trabalhar nos alunos a autoestima, a disciplina e a aquisição cultural por meio do teatro.

O projeto apresenta dois trabalhos por ano. Esses espetáculos são fruto de cinco meses de trabalho, que começam nas férias (quando os alunos apresentam as pesquisas feitas por eles referentes aos assuntos da peça) e terminam com a apresentação do espetáculo no fim do semestre.

De 2008 até 2019 foram 22 apresentações teatrais, com destaque às peças e filmagens: Tritão e Isolda, Anastácia, Romeu e Julieta (filmagem), Orgulho e Preconceito (média metragem), Ritmo e Cultura, Labirinto, Brazil?, Ainda Brazil?, Cores do Vento, A Ópera do Fantasma, Yentk, nada é impossível, Danielle: para que serve a Utopia?, Hamlet e Mulan.


 <<Clique aqui  e assista a íntegra da peça que foi transmitida ao vivo pela página do Facebook/Projeto Jovem Em Cena>>


(*) TEXTO DE ABERTURA – ORAÇÃO

Transcrição da oração feita pelo pastor HENRIQUE VIEIRA no programa Amor e Sexo

  • Que todas as crenças religiosas sejam respeitadas…
  • Até mesmo a não-crença.
  • Que possamos comungar na crença da humanidade, da diversidade
  • e do bem comum.
  • Que seja declarada justa toda forma de amor.
  • Que nenhuma mulher seja alvo do machismo estrutural.
  • Que a juventude negra não seja alvo do extermínio.
  • Que Marias Eduardas não sejam assassinadas dentro da escola.
  • Que Marquinhos da Maré não sejam assassinados indo para a escola.
  • Que Marielles possam chegar em segurança em suas próprias casas.
  • Que todo agricultor tenha uma terra para plantar.
  • Que todo sem teto tenha uma casa para morar.
  • Que os indígenas sejam respeitados nas suas crenças.
  • Que as fronteiras acabem e as armas caiam no chão.
  • Que a felicidade venha sobre nós,
  • respeitando toda dor e consolando toda lágrima.
  • Porque felicidade de verdade só é possível sob a bênção da comunhão.
  • Amém, axé e o que de mais universal existe: AMOR.

Um final diferente com nova encenação

Ainda houve uma mini-apresentação de todo o grupo no palco, com “cenas pós-créditos”, deixando uma mensagem de encerramento do semestre. Desta vez, essa mensagem envolveu a figura do vilão da peça: o religioso Claudio Frollo — que chora em arrependimento.

Outros vilões nas peças passadas receberam a chance de se redimirem de seus erros em vida –– e tiveram a chance de, em vida, buscar um caminho diferente. Mas dessa vez não. Frollo morreu, despencando do topo da catedral, atormentado pelas sombras que habitavam seus pensamentos. E, pela primeira vez, nós teríamos um vilão que morreu sem receber aquela famosa segunda chance.

E personagens representando segmentos da sociedade e religiões foram mostrando as mensagens para que Frollo aproveitasse esse momento para refletir sobre a religião, a fé e intolerância. No palco cada personagem mostrou sua mensagem, com danças e cânticos mostrando o arrependimento de Frollo: Ansiedade, Vergonha, Autoconhecimento, Medo, Coragem, Raiva, Magoa, Resignação, Perdão, Dor, Fé e Paz!.

E abaixo a mensagem que complementa a encenação:

CENA PÓS CRÉDITOS: TEXTO REFLEXIVO – Adaptação de “Os Intolerantes” de Alabê de Jerusalém —  clique aqui e assista o vídeo.

Ah, meu Deus! Assisto com muita tristeza / Gente por todo lado dilacerando a beleza de uma linda sinfonia/ Vejo falsos juízes, ciumentos, inflexíveis / Destruindo uma linda pintura, só porque não gostam da assinatura.

E como uma bailarina, com a inocência de menina,/ Dançando em volta do sol, segue no orbe: a Terra./ Enquanto nações, governos E RELIGIÕES ensaiam a dança da guerra.

Olhe, eu vou dizer de coração… / Na minha simples opinião, no que vejo dia-a-dia / Religião de verdade, mais parecida com aquela que Jesus queria / Se pauta no amor e na fraternidade / Para esse sentimento, não existe fronteira

E reza um só mandamento:/ Amai ao próximo como eu voz amei, sem adiamento

A intolerância, repito, é a mais triste doença./ Não tem dó, não tem clemência. /Deixa tantas cicatrizes nas pessoas, nos países… /Vejo religiões, guardiãs da Luz Celeste,/ Deixando sua Luz de lado para empunhar cassetete.

E o que, na verdade, refresca o rosto de Deus, é um infinito leque / Numa das hastes, sente-se a brisa, que vêm das terras de Shiva, No leque de Deus cabe todo aquele que procura ajuda Tem a haste de Buda pra iluminar sua fé.

E o vento quente que se sente vem lá das terras de Maomé.No leque de Deus cabem franciscanos, cabem beduínos. / Não precisa ir muito longe… Jesus nasceu entre os rabinos.

Mas, às vezes, os corações que crêem em Deus, são mais duros que os ateus./ Não compreendem que a Terra é como uma casa na aldeia, /E cada religião na Terra é uma lamparina que clareia

É chegada a hora de compreender que existe algo que vai além de quaisquer pregações:/Reconhece-se o verdadeiro homem de bem pelas forças que empenha para domar SUAS PRÓPRIAS más inclinações.

Então, que importa a forma na qual a lamparina se traduz? / Mais importante é, enfim, escolher seguir rumo a Luz.


Elenco de O Corcunda de Notre Dame  == Quasímodo (Bruna Macedo, Christiano Matos e Jéssia Barreto), Frollo (Arthur Lopes, Nicolas Roque e Raphael Moretto), Esmeralda (Emily Nathieli, Júlia Jaques e Thaís Ribeiro), Clopin (Kailaine Lima e Luan Barbosa), Phebo (Guilherme Silva, Jorge Guedes e Victor Aparecido), Freira (Bárbara Lima, Kemilly Santos e Ketellin Silva), Nossa Senhora (Jaine Jesus), Ciganas e Parisienses (Beatriz Bonini, Gabriela Pereira, Júlia Victória, Ketilyane Lima e Mariana Azevedo) e Crianças (Carina Carvalho, Júlia Cruz e Mariani Peixoto.

Ficha técnica: Direção Geral: Denise Biella; Produção: Andressa Tarquini, Denise Biella e Vania Sabino; Texto adaptado: Denise Biella; Lutas coreografadas: Vinicius Fragazi; Cenografia: todo o grupo; Auxiliar técnico: Camila Rezende, João Cardoso e Mariana Janascoli; Figurinos: Denise Biella e Fausta Oliveira; Cinegrafia/Fotos: Andressa Tarquini Rocha e João Cardoso; Design de som e luz: Juliana Biella; e Divulgação: Vania Sabino. 


Agradecimentos especiaisProfª Pamella de Paula (roda de conversa sobre os Proscritos e o Marianismo na América), Marcos Keller (podcaster e professor de Filosofia e História – sobre a cultura e história do povo Romani); e Igor Dias Azevedo (Letras-USP sobre a Literatura Francesa e um panorama histórico e cultural da obra de Victor Hugo).

Outros agradecimentos/participações: Direção e Coordenação do E.E.Prof.Antonio José Leite == Pais de alunos == Cristiane Silva, Denis Fernando, Elizabeth Machado, Gabriela FernandesSuely do Nascimento, Yasmin Maria e a Profª Roberta de Paula — pela doação de material diversos == Apoio cultural: G.Vallone Têxtil e pela doação de tecidos de fabricação própria == Prof. Vidal Bezerra da Silva – com apoio na multimídia.


Escola Estadual Professor Antonio José Leite
  • Endereço: Rua Dez de Maio, 271 – Vila Nova Cachoeirinha/Parada Pinto
  • Telefone: 2258.4747
  • Site: www.projetojovememcena.wix.com/jovememcena
  • Facebook: /projetoemcena2014   — Instagram: @projetojovememcena
  • Coordenadora do Projeto: Profª Denise Biella – (11) 2233.6575 – [email protected]

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