por Marcelo Senise (*)
Imagine acordar amanhã e ver um vídeo do presidente da República declarando guerra a outro país. A imprensa corre para confirmar. As redes entram em colapso. O mercado despenca. O mundo segura a respiração. Horas depois, descobre-se: era tudo falso. O vídeo nunca aconteceu. A fala foi forjada. A guerra, imaginária — mas o dano, irreversível.
Não é ficção científica. É o nosso presente.
Nos últimos dias, circulou no Brasil um vídeo em que o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, supostamente chama Lula de “um desastre total”. As imagens são reais, a voz é convincente, o vídeo é tecnicamente perfeito — mas é uma mentira construída por inteligência artificial. Uma fraude. Uma peça de desinformação que passou por verdadeira aos olhos de milhares de brasileiros. E esse é o verdadeiro desastre.
O que está acontecendo diante de nós é mais do que uma nova onda de fake news. É o início de uma era onde a própria realidade se torna maleável. Onde não há mais garantias de que o que vemos ou ouvimos corresponde, de fato, ao que aconteceu. Entramos na era da pós-verdade sintética, e se não reagirmos agora, ela vai nos engolir vivos.
O perigo é real — e não se limita a um vídeo ou a um personagem político. Hoje foi Lula. Amanhã será outro. Nenhuma liderança, nenhuma instituição, nenhum cidadão está imune. O que está em risco não é a imagem de um político, mas a base da nossa convivência civilizatória: a confiança nos fatos, nos sentidos, naquilo que consideramos real.
E, por mais brutal que seja dizer isso, o maior aliado desse colapso é o fanatismo. Enquanto estivermos presos às nossas trincheiras ideológicas, brigando para ver quem “lucra” mais com a mentira, estaremos alimentando exatamente o que nos ameaça. A inteligência artificial usada para manipular a opinião pública não tem viés — mas quem a espalha sabe muito bem como explorar o nosso.
Precisamos de um pacto. E não, não é um pacto de esquerda ou de direita. É um pacto de sobrevivência democrática. Um acordo mínimo para proteger o Brasil — e os brasileiros — desse veneno que se espalha rápido demais. Um veneno que não respeita partido, religião ou classe social. Um veneno que pode, sim, implodir o tecido da nossa democracia se não formos capazes de reagir.
O Congresso precisa agir com urgência. O Judiciário precisa se posicionar com firmeza. O Executivo precisa liderar com responsabilidade. A imprensa deve redobrar sua vigilância. As plataformas digitais precisam ser responsabilizadas. E a sociedade civil — todos nós — temos que acordar. Não há mais tempo para ingenuidade. Nem espaço para omissão.
Regulamentar o uso da inteligência artificial não é censura. É proteção. É preservação da verdade como bem público. É garantir que o debate político, a escolha do eleitor, as decisões de Estado e o próprio senso de realidade não sejam sequestrados por simulações.
Ainda há tempo. Mas só se abrirmos mão, imediatamente, da polarização que nos cega. A verdade não pode ter cor partidária. A integridade dos fatos não pode ser disputada como se fosse um placar eleitoral. Precisamos levantar a cabeça e lembrar: ou enfrentamos isso juntos — ou cairemos todos, um a um, dentro de uma mentira impossível de desfazer.
O futuro da democracia brasileira depende da nossa coragem de agir agora. Sem ego, sem cálculo político, sem ilusão. Só com a verdade — e com a urgência que ela exige.
(*) Marcelo Senise – Presidente do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial (IRIA), Sócio Fundador da Social Play e CEO da CONECT I.A, Sociólogo e Marqueteiro, atua há 36 anos na área política e eleitoral, especialista em comportamento humano, e em informação e contrainformação, precursor do sistema de análise em sistemas emergentes e Inteligência Artificial. Twitter: @SeniseBSB / Instagram: @marcelosenise
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