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Casa Verde: 112 anos de um bairro que vem da cor, virou mapa e hoje é orgulho da ZN

Tempo de Leitura: 6 minutos

 

da Redação DiárioZonaNorte
  • O distrito da Casa Verde tem 25 bairros e área de 7,1 km2;
  • A polução é estimada em torno de 100 mil habitantes; e
  •  região é administrada pela Subprefeitura Casa Verde / Cachoeirinha / Limão

    Primeiro, a casa. Verde. Só isso. Uma pintura simples, de um verde vivo, feita por duas moças — irmãs, sete ao todo — que decidiram dar cor ao que era só parede.

    A casa, solitária no meio da velha estrada do Campo de Marte, não tinha vizinhos, não fazia parte de nenhum bairro, não tinha CEP, nem nome de rua. Só janelas pintadas, paredes tingidas e presença no vazio.

    O tempo passou e, como quem chama uma criança pelo apelido desde o berço, o povo começou a dizer: “Lá, perto da casa verde.” E o ponto no mapa foi se formando a partir do ponto na frase. Antes do bairro, veio o afeto. Antes do mapa, a referência. Foi assim que nasceu a Casa Verde. Não por loteamento, mas por batismo popular. Batismo com tinta, emoção e voz coletiva.

    O antigo bonde com destino à Casa Verde. Reprodução.
    Nome de gente, alma de bairro

    Há bairros que nascem burocráticos, frios, batizados por cartório e interesse imobiliário. Mas há outros, como este, que surgem pelo calor da convivência. A Casa Verde era para se chamar Villa Tietê, segundo os papéis oficiais de 1913. Mas quem liga para o papel quando a palavra que sai da boca do povo é outra?

    O nome ficou. O bairro cresceu. E as meninas da Casa Verde — as irmãs Arouche de Toledo Rendon — entraram para a história como as madrinhas involuntárias de um dos pedaços mais simbólicos da Zona Norte paulistana.

    Antiga ponte de madeira que ligava a Casa Verde. Reprodução

    Nesta 4ª feira, 21 de maio de 2025, a Casa Verde sopra 112 velas de história reconhecida. Mas sua vida real é mais antiga. Ela é feita de memória e rotina, de tambores e padarias, de fé e brincadeira de rua. É bairro com cheiro de bolo e som de bateria.

    Ritmo que educa: o samba da Casa Verde

    Antes da urbanização, antes do asfalto e do projeto de bairro, já se ouvia samba na Casa Verde. O compasso veio com a alma do lugar, e aqui ele floresceu com força. Três grandes escolas fincaram suas raízes na terra verde: o Império de Casa Verde, o Morro da Casa Verde e a Unidos do Peruche.

    Imperio da Casa Verde no Sambódromo. Foto: Divulgação-Liga SP-Felipe Araújo

    O Império é majestade. Suas alegorias imensas e títulos importantes fizeram história no Sambódromo do Anhembi – que está próximo do bairro. O Morro é resistência: um grito da comunidade que ressoa em cada ensaio. Já a Peruche — mesmo com sede fora dos limites do bairro — mantém seus laços fincados na essência da Casa Verde, especialmente no seu vínculo com a negritude e a cultura periférica.

    Cada escola é um centro de formação. De ritmistas, de coreógrafos, de pensadores populares. Os ensaios são salas de aula sem lousa, mas com surdo, caixa e tamborim. Onde se aprende, antes de tudo, a viver em grupo e a valorizar as próprias raízes.

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    Sesc Casa Verde no prédio que era da Riachuelo
    O Sesc como praça moderna

    Foi em 2019 que o Sesc fincou suas colunas na Casa Verde, e ali nasceu um novo ponto de encontro. Entre árvores e estrutura moderna, o centro cultural virou praça pública com cobertura de concreto e alma de vila.

    Ali se dança, se canta, se lê, se corre, se aprende. Crianças com lápis de cor dividem mesas com aposentados. Adolescentes assistem a peças de teatro no embalo da pipoca. Famílias se encontram entre as atividades de fim de semana.

    O Sesc Casa Verde é mais do que um prédio: é um elo entre gerações, um templo laico da cultura, onde a arte tem vez e a diversidade tem palco. Virou batente de quem quer escutar, descobrir, inventar. O que antes se encontrava na rua, agora também tem teto — e programação.

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    Praça Centenário, em momentos de descanso e lazer
    A vida como ela é, com qualidade

    Na Casa Verde, o cotidiano tem sabor de padaria antiga e som de feira de sábado. As ruas arborizadas ainda abrigam cadeiras na calçada, crianças jogando bola e senhoras levando o pão da manhã com a sacola de pano.

    A Braz Leme é a espinha dorsal do bairro. Ciclovia, caminhada, cafés com mesinhas ao sol e conversas sem pressa. Quem mora ali sente que o tempo corre em outro ritmo — nem tão devagar que atrase, nem tão rápido que atropela.

    E mesmo sendo vizinha do centro, a Casa Verde mantém um quê de interior. Comércio forte, escolas boas, acesso fácil, igreja de portas abertas e gente que se cumprimenta pelo nome. É bairro de viver, não só de passar.

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    Mural com desenho em homenagem a Gabriel de Jesus. Reprodução: Instagram
    Esporte como herança e missão

    A Casa Verde tem vocação esportiva escrita em suas calçadas. Foi berço de Éder Jofre, o gênio do boxe, e de Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão olímpico no salto triplo. O jogador ex-Palmeiras Gabriel de Jesus, que nasceu na região, no Limão e morou no Jardim Peri. — e ganhou uma homenagem marcante.

    Mas não é só história. O presente pulsa nos campos de várzea, nos clubes pequenos, nas quadras abertas. No antigo Complexo Esportivo de Lazer e Cidadania do Campo de Marte, agora batizado como Centro de Convivência do Parque Campo de Marte, cinco campos de futebol seguem formando jovens entre passes, gols e aprendizados.

    Projetos sociais oferecem jiu-jitsu, atletismo, vôlei, futebol. Crianças que talvez nunca fossem vistas por olheiros encontram ali sua chance — ou, ao menos, uma razão para continuar acreditando.

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    Mapa com localização da área da Casa Verde. Foto: Google
    Cultura que brota das esquinas

    Não há museu na Casa Verde, mas há memória viva em cada esquina. Os moradores mais antigos viraram guardiões de fotos, relatos e documentos. E os mais novos assumiram a missão de contar essa história do jeito que sabem: com arte, grafite, poesia e som.

    Blocos de rua, saraus, rodas de conversa, feiras de economia criativa — tudo nasce da necessidade de expressão. Da vontade de dizer: “estamos aqui”. Não para pedir licença, mas para ocupar com afeto.

    Os coletivos culturais são o novo rosto do bairro. E muitos já têm espaço em programações oficiais da cidade, levando o nome da Casa Verde para outras praças e outras cidades.

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    Paróquia São João Evangelista – a mais antiga na Casa Verde.Foto: Divulgação
    O amanhã se constrói no presente

    Aos 112 anos, a Casa Verde já viu de tudo. O bonde passar e o ônibus chegar. O mato virar rua e a rua virar lar. Viu fábricas fecharem e novos negócios surgirem. Viu gerações se sucedendo sem perder o fio da meada.

    Mais do que bairro, a Casa Verde é um sentimento coletivo. Um lugar onde se constrói convivência, onde se respeita o passado sem temer o futuro. Onde se ensaia o Carnaval e se sonha com medalha. Onde se vive junto, mesmo com as portas fechadas.

    A cidade pode crescer, os mapas podem mudar. Mas a Casa Verde — essa sim — segue firme. Como a primeira casa, pintada de verde, no meio do nada. Que virou tudo.


    <<Com apoio de pesquisa de informações: Departamento de Pesquisa do DiárioZonaNorte>>

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